Imagens da Filosofia

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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O mito grego da origem da cultura


O mito grego da origem da cultura

Sócrates havia perguntado ao sábio sofista Protágoras se a virtude poderia ser ensinada – já que este se propunha a ensiná-la aos jovens, e inclusive cobrando bem por isso. Será que todos os homens poderiam aprender a ser justos e virtuosos, ou o senso de justiça seria como a música, a matemática ou a retórica – habilidades que requerem não apenas estudo, mas também talento?
A virtude pode ser ensinada?
Protágoras conta, então, uma estória para responder à pergunta de Sócrates.

“Houve um tempo em que só havia deuses, sem que ainda existissem criaturas mortais. Quando chegou o momento determinado pelo Destino, para que estas fossem criadas, os deuses as plasmaram nas entranhas da terra, utilizando-se de uma mistura de ferro e de fogo, acrescida dos elementos que ao fogo e à terra se associam. Ao chegar o tempo certo de tirá-los para a luz, incumbiram Prometeu e Epimeteu de provê-los do necessário e de conferir-lhes as qualidades adequadas a cada um. Epimeteu, porém, pediu a Prometeu que deixasse a seu cargo a distribuição. Depois de concluída, disse ele, farás a revisão final. Tendo alcançado o seu assentimento, passou a executar o plano.

Nessa tarefa, a alguns ele atribuiu força sem velocidade, dotando de velocidade os mais fracos; a outros deu armas; para os que deixara com natureza desarmada, imaginou diferentes meios de preservação; os que vestiu com pequeno corpo, dotou de asas, para fugirem, ou os proveu de algum refúgio subterrâneo; os corpulentos encontravam salvação nas próprias dimensões. Destarte agiu com todos, aplicando sempre o critério de compensação. Tomou essas precauções, para evitar que alguma espécie viesse a desaparecer.
Depois de haver providenciado para que não se destruíssem reciprocamente, excogitou os meios de protegê-los contra as estações de Zeus, dotando-os de pelos abundantes e pele grossa, suficientes para defendê-los do frio ou adequados para tornar mais suportável o calos, ao mesmo tempo que servissem a cada um de cama natural, quando sentissem necessidade de deitar-se. Alguns dotou de cascos nos pés; outros, de garras, e outros, ainda, de peles calosas e desprovidas de sangue. De seguida, determinou para todos eles alimentos variados, de acordo com a constituição de cada um; a estes, erva do solo; a outros, frutos das árvores; a terceiros, raízes, e a alguns, ainda, até mesmo outros animais como alimento, limitando, porém, a capacidade de reprodução daqueles, ao mesmo tempo que deixava prolíficas suas vítimas, para assegurar a conservação da espécie.
Como, porém, Epimeteu carecia de reflexão, despendeu, sem o perceber, todas as qualidades de que dispunha, e, tendo ficado sem ser beneficiada a geração dos homens, viu-se, por fim, sem saber o que fazer com ela. Encontrando-se nessa perplexidade, chegou Prometeu para inspecionar a divisão e verificou que os animais se achavam regularmente providos de tudo; somente o homem se encontrava nu, sem calçados, nem coberturas, nem armas, e isso quando estava iminente o dia determinado para que o homem fosse levado da terra para a luz.
Não sabendo Prometeu que meio excogitasse para assegurar ao homem a salvação, roubou de Hefesto e de Atenas a sabedoria das artes juntamente com o fogo – pois, sem o fogo, além de inúteis as artes, seria impossível o seu aprendizado – e os deu ao homem. Assim, foi dotado o homem com o conhecimento necessário para a vida; mas ficou sem possuir a sabedoria política; esta se encontrava com Zeus, e a Prometeu não era permitido penetrar na acrópole, a morada de Zeus, além de serem por demais terríveis as sentinelas de Zeus. Assim, a ocultas penetrou no compartimento comum em que Atena e Hefesto amavam exercitar suas artes, e roubou de Hefesto a arte de trabalhar com o fogo, e de Atena a que lhe é própria, e as deu aos homens. Desse modo, alcançou o homem condições favoráveis para viver. Quanto a Prometeu, consta que foi posteriormente castigado por esse furto, levado a cabo por culpa de Epimeteu.
XII:
Uma vez de posse desse lote divino, foi o homem, em virtude de sua afinidade com os deuses, o único dentre os animais a crer na existência deles, tendo logo passado a levantar altares e a fabricar imagens dos deuses. Não demorou, e começaram a coordenar os sons e as palavras, a engenhar casas, vestes, calçados e leitos, e a procurar na terra os alimentos. Providos desse modo, a princípio viviam os homens dispersos. Não havia cidades. Por isso, eram dizimados pelos animais selvagens, dada sua inferioridade em relação a estes. As artes mecânicas chegavam para assegurar-lhes os meios de subsistência, porém eram inoperantes na luta contra os animais, visto carecerem eles, ainda, da arte da política, da qual faz parte a arte militar.
À vista disso, experimentaram reunir-se, fundando cidades, para poderem sobreviver. Mas, quando se juntavam, justamente por carecerem da arte política, causavam-se danos recíprocos, com o que voltavam a dispersa-se e a serem destruídos como antes. Preocupado Zeus com o futuro de nossa geração, não viesse ela a desaparecer de todo, mandou que Hermes levasse aos homens o pudor e a justiça, como princípio ordenador das cidades e laço de aproximação entre os homens.
Hermes, então, perguntou a Zeus de que modo deveria dar aos homens pudor e justiça;
- Distribuí-los-ei como foram distribuídas as artes? Estas foram distribuídas da seguinte maneira: um só homem com o conhecimento da medicina basta para muito que a ignoram, verificando-se a mesma coisa com todas as outras artes. Devo proceder desse modo com o pudor e a justiça, ou reparti-los entre todos os homens igualmente?
- Entre todos, disse-lhe Zeus, para que todos participem deles, pois as cidades não poderão subsistir, se o pudor e a justiça forem privilégio de poucos, como se dá com as demais artes.”

PLATÃO. Diálogos: Protágoras. Trad. Carlos Alberto Nunes. De 320-d até 322-d. Universidade Federal do Pará, 1980.

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